A maior parte dos edifícios expropriados
são construções precárias, algumas já em ruínas, mas há quem garanta precisar
delas por não ter para onde ir
Gritos, buzinadelas, apupos e algum choro marcaram hoje a reta final do
processo de expropriação de habitações na ilha do Farol, num ambiente dominado
por sentimentos de revolta e injustiça.
Durante uma hora, dezenas de proprietários acompanharam o percurso dos
técnicos da Polis pelos areais da ilha, cercados por um forte contingente
policial, erguendo cruzes negras e protestando fortemente contra a comitiva que
expropriou 18 construções.
Vítor é um pescador que construiu a sua casa em 1978 e hoje, mesmo tendo
interposto uma providência cautelar, viu a Polis tomar posse da pequena
habitação, mas com a promessa de que o caso vai ser reavaliado pelo
ministério.
"Devia ser uma das situações de exceção e por isso vamos pedir a reavaliação
do caso ao ministro do Ambiente", garantiu-lhe o presidente da Associação da
Ilha do Farol de Santa Maria, Feliciano Júlio, tranquilizando o idoso.
"Não esperava por esta atitude, devíamos ser todos tratados por igual e isso
não está a ser equacionado", reclama Vítor, lembrando que a zona onde hoje
incidiram as expropriações é a mais antiga da ilha e local onde se fizeram as
primeiras demolições, em 1986.
Mais à frente, passa-se à casa número 196 que, dizem os moradores, é a mais
antiga da ilha, mas como o proprietário já morreu, a família não conseguiu
recorrer com o argumento de se tratar de uma casa de pescadores.
"Foi a primeira casa a ser construída com a autorização da mesma Polícia
Marítima que agora está a acompanhar as tomadas de posse", conta Vanessa
Morgado, da associação SOS Ria Formosa, sublinhando que faz parte "do tal núcleo
histórico reconhecido" no Parlamento.
Também José Lezinho, presidente da Associação de Moradores dos Hangares,
noutro lado da ilha, onde as expropriações avançam na próxima semana, considera
existir uma "desigualdade de direitos entre os pobres e as outras classes".
A maior parte dos edifícios hoje expropriados são construções precárias,
algumas já em ruínas, mas mesmo assim há quem garanta precisar delas por não ter
para onde ir.
Com 23 anos, Américo Pires diz que não vai voltar a dormir nas ruas de Olhão,
como fez entre os 15 e os 17 anos, quando foi obrigado a sair de casa, pois é
ali na ilha do Farol que tem o seu único teto.
"Eu sou sozinho, a minha família não se interessa por mim, vou à maré e vivo
da ajuda das pessoas", conta, acrescentando que o dono da casa lhe deu
autorização para ali habitar há cinco anos.
A última casa a ser expropriada é a que melhor se avista a partir do mar,
para quem chega ao Farol, por ter pintadas nas paredes exteriores as cores da
bandeira portuguesa. Em torno há vários cartazes, um deles visando António
Costa: "Somos portugueses, senhor primeiro-ministro, palavra dada não está a ser
honrada".
No pátio da casa, à espera da Polis, estão várias pessoas, que se vão
avolumando para formar um cordão, dificultando a colocação do edital pelos
técnicos, que depois acabam por arrancar.
"Há mais de 40 anos que a casa está na família, o meu avô era pescador, mas
morreu afogado no mar", conta a neta do proprietário, uma jovem mãe com um bebé
ao colo, lamentando não ter conseguido recorrer para que a casa integrasse o
regime de exceção.
É que para além das casas de primeira habitação, também as casas de
pescadores no ativo, ou reformados, podem ser salvas.
Os núcleos do Farol e dos Hangares fazem parte da ilha da Culatra,
pertencente ao concelho de Faro