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2017/09/27

INAG - Instituto da Água arrasou entrega das barragens à EDP sem concurso público

Em 2006 o Instituto da Água fez vários alertas sobre o diploma que estendeu o prazo de exploração das barragens da EDP sem concurso, mas foi ignorado. Entre eles incluía-se a transmissão ilegal de direitos de utilização sem concurso e a atribuição indevida de isenções.


Novembro de 2006. António Mexia estava à frente da gestão da EDP há menos de cinco meses quando o extinto Instituto da Água (INAG) enviou ao ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, um parecer sobre as propostas de alteração feitas pelo Ministério da Economia e Inovação (MEI), de Manuel Pinho, ao projecto de decreto-lei das utilizações dos recursos hídricos.

António Mexia

A mensagem contida no documento (enviado ao PÚBLICO pela Agência Portuguesa do Ambiente) era clara: “Constata-se que as propostas de alteração remetidas pelo MEI violam frontal e grosseiramente o disposto numa Lei de Bases [a Lei da Água]". Assim, qualificando-as com expressões como “totalmente descabidas”, “não faz qualquer sentido” ou “não tem cabimento”, o instituto que tinha a tutela dos recursos hídricos era peremptório: “Não devem ter acolhimento”.

No conjunto de pontos acrescentados ao projecto de diploma pelos assessores de Manuel Pinho (entre eles João Conceição, hoje administrador da REN e um dos nove arguidos, tal como o ex-ministro, na investigação do Ministério Público aos contratos de compensação da EDP), o INAG viu uma tentativa de “subordinação” do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR) ao Ministério da Economia em matérias da sua “competência própria”. E uma das violações mais graves que identificou foi a introdução de pontos que permitiam à EDP continuar a explorar 27 centrais hidroeléctricas sem concurso público, através de uma subconcessão de direitos de utilização dos recursos hídricos por parte da REN, a quem estes seriam concessionados pelo Estado.



Por outro lado, o instituto sublinhava que a figura da subconcessão (destinada a enquadrar a passagem de direitos para a EDP) não só não estava legalmente prevista, como contrariava a resolução do Conselho de Ministros de 2005 que aprovou a estratégia nacional para a energia e que “expressamente refere o estímulo à concorrência” como objectivo fundamental. Mas o alerta caiu no vazio.

Contratos assinados no sábado



Seis meses depois, a versão final do diploma (o decreto-lei 226 – A, de Maio de 2007) veio mesmo reconhecer que a EDP poderia continuar a utilizar os recursos hídricos sem concurso, ou seja, a explorar as suas centrais, como até então, em média por mais 25 anos. O Estado celebrou um contrato de concessão com a concessionária da rede nacional de transporte de electricidade, a REN, reconhecendo-lhe o “direito à utilização do domínio público hídrico afecto” às centrais hidroeléctricas. Depois, a REN transmitiu os “correspondentes direitos [de utilização]” à EDP (a figura da subconcessão foi substituída pela da transmissão de direitos)”. O diploma estabeleceu em dois anos (a contar de 1 de Junho de 2007) o prazo máximo para a assinatura dos contratos de concessão e transmissão entre o Estado, a REN e a EDP (cabendo a sua preparação ao INAG) e as assinaturas acabaram por ter lugar dez meses depois da publicação da lei, num sábado, dia 8 de Março de 2008.


A EDP pagou ao Estado 704 milhões de euros e garantiu o direito a explorar as 27 barragens por vários anos (a maioria até 2052). Além de ser um dos temas centrais na investigação por corrupção aos contratos da EDP anunciada pelo Ministério Público em Junho, este processo também está a ser analisado pela Comissão Europeia. Bruxelas quer saber se o prolongamento das concessões sem concurso é compatível com as regras europeias de contratação pública.

Orlando Borges
O parecer de 2006, assinado pelo ex-presidente do INAG Orlando Borges (hoje à frente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos), não poupava nas palavras para assinalar ao ministro com a tutela do Ambiente que as propostas do MEI “beneficiam claramente um sector de actividade [o da produção de energia] em detrimento de outros”. O documento chegava a referir que certos pontos introduzidos pela equipa de Manuel Pinho pretendiam “beneficiar à custa dos recursos hídricos o sector eléctrico” e dizia considerar “pouco ético” que as alterações propostas tivessem sido “apresentadas como foram, alterando directamente o diploma”.

Favorecimento ao sector eléctrico



Um exemplo do que o INAG destacava como favorecimento ao sector eléctrico foi a introdução do ponto que isentou a EDP do pagamento da taxa de recursos hídricos. Uma “isenção contrária ao espírito da Lei da Água”, referia o instituto, reforçando que “não é aceitável que haja isenções para alguns sectores em detrimento de outros”.

Na versão final do diploma, o artigo que isenta a produção hidroeléctrica da taxa de recursos hídricos já não consta, mas a verdade é que a EDP conseguiu abater ao valor que pagou pelos direitos de utilização dos recursos hídricos cerca de 55 milhões de euros (pagando no total 704 milhões). Ainda assim, nem o despacho de 15 de Junho que fixou o valor das concessões utiliza a palavra isenção, referindo-se antes a um “ajustamento” a deduzir aos 759 milhões.

No parecer, o INAG também criticava o papel que o MEI pretendia atribuir à Direcção-geral de Energia e Geologia (DGEG) na gestão dos recursos hídricos utilizados na produção eléctrica, sendo um dos exemplos o facto de se pretender que passasse a ser a DGEG a tomar a posse administrativa dos bens e a geri-los, em caso de reversão para o Estado. Nesta data, a DGEG era presidida por Miguel Barreto, outro dos arguidos na investigação, que em 2007 atribuiu à EDP uma licença sem prazo de duração para a central termoeléctrica de Sines.

Miguel Barreto
Feitos os vários alertas ao gabinete do ministro Nunes Correia, o diploma do regime de utilização dos recursos hídricos seguiu para aprovação num processo de contornos pouco definidos, em que o INAG deixou de ser parte e em que várias das propostas do MEI prevaleceram, apesar do parecer desfavorável.

Questionada sobre a existência deste parecer negativo, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) garantiu ao PÚBLICO que “o INAG apenas teve conhecimento do teor” do decreto-lei dos recursos hídricos “após a sua publicação”. Foi aí que o instituto ficou a saber que o prazo de exploração das barragens tinha sido prorrogado sem concurso e que tinha dois anos para preparar os respectivos contratos de concessão. Foi só então que o instituto com a tutela dos recursos hídricos soube que havia um valor de “equilíbrio económico-financeiro” que a EDP teria de pagar pela utilização dos direitos e que este seria calculado com base “em duas avaliações” de entidades financeiras (o Crédit Suisse e o Caixa BI) e definido num despacho de Pinho e Nunes Correia.

Manuel Pinho

Francisco Nunes correia

Em Maio, quando se pronunciou sobre a queixa que lhe foi apresentada em 2012 “por vários cidadãos” portugueses contra auxílios de Estado indevidos à EDP na fixação do valor das concessões, Bruxelas afastou qualquer ilegalidade relativa a esta matéria, considerando que a metodologia usada pelo Estado para definir o preço que a EDP pagou pela extensão dos prazos foi “satisfatória” (por cá, o processo que levou à definição deste valor é um dos pontos sobre os quais incide a investigação do Ministério Público).
Na decisão, a Comissão Europeia também recordou que, “em caso de concurso, Portugal teria tido de pagar à EDP o montante dos activos [hidroeléctricos] não amortizados no final do período de concessão” previsto nos antigos contratos de aquisição de energia (CAE), que foram substituídos pelos CMEC "custos para a manutenção do equilíbrio contratual”. Ou seja, a alternativa a prolongar as concessões sem concurso seria o Estado compensar a eléctrica pelo valor dos investimentos que ainda não estavam amortizados.


Na resposta ao PÚBLICO, a APA sublinhou ainda que, a partir do momento em que o diploma saiu, o INAG concentrou-se em garantir que, “na implementação das disposições definidas” na lei, a “titularidade dos bens da concessão se mantivesse no domínio público, revertendo para o Estado no final da concessão” e não para as empresas.

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