Nome não designava etnia, mas ocupação de guerreiros que absorveram influências diversas
Quase toda a gente ouviu falar dos vikings, e quase todos os que ouviram falar são capazes de traçar um retrato rápido: altos, louros, barbudos, sanguinários, às vezes heroicos. Mas o mais abrangente retrato do fenômeno viking feito até hoje mostra que eram muito mais complexos do que a imagem inicial.
Em "children of Ash and Elm" ("filhos do freixo e do olmo", livro ainda sem versão em português, o arqueólogo britânico Neil Price, da Universidade de Uppsala (Suécia), faz um estudo a essa complexidade, juntando os fios soltos das mais diversas disciplinas, da genômica genética à linguística, da geologia aos estudos da religião (uma das suas especialidades).
A ênfase em produzir essa visão global e "de dentro" de uma sociendade antiga começa, aliás, com o título aparentemente cifrado. É que os nomes de árvores do hemisfério Norte vêm das designações do "Adão" e da "Eva" da mitologia nórdica, criados pelo Deus Odin e seus irmãos a partir de pedaços de madeira: Askr (freixo, o primeiro homem) e Embla (olmo ou talvez videira, a primeira mulher).
O retrato ressalta, em primeiro lugar, como a da chamada Era Viking (convencional definida como os séculos entre 750 d.c. e 1050 d.c.) foi cosmopolita. E isso não apenas porque os NAVIOS escandinavos carregaram saqueadores por uma área vasta, que vai da Irlanda e da Espanha, no oeste, à Ucrânia (e possivelmente ao Egito) no leste.
Parte dessa complexidade tem a ver com o fato de que ninguém era viking de nascença. A etimologia da palavra é controversa, mas o certo é que ela não era designação étnica. Está mais para um termo técnico usado para classificar que participava de incursões marítimas , algo próximo de "pirata" em português.
Além disso, o maior estudo de DNA já feito sobre os vikings, do qual Price participou, mostrou que eles absorveram influências genéticas de variadas regiões da Europa e até da Sibéria.
Sujeitos enterrados com armas e enfeites típicas dos vikings às vezes tinham "sangue puro" de outras populações, como os celtas. E há pelo menos um caso de uma mulher sepultada com parafernália guerreira.
"A colaboração entre genômica e arqueologia está a ficar mais afinada. O importante é lembrar sempre que a genética e não necessariamente à entidade cultural" afirmou Price
|
Ilustração de um funeral viking, com o barco em chamas - Adams Carvalho |
Estamos acostumados ao dualismo corpo/alma, mas os antigos escandinavos tinham quatro "camadas" de personalidade. A mais externa, "hamr", que equivale ao corpo, grosso modo, mas podia ser alterada em certas circunstâncias (o que explica a crença em guerreiros capazes de assumir forma de lobo ou urso), Depois vina "hugr", algo como a "mente" essencial.
Igualmente interessante é o estudo dos fatores que produziram o sucesso tremendo dos escandinavos como piratas, conquistadores, colonos e comerciantes. Não há explicação simples, diz Price. A era das invasões vikings começa num período de centralização política na Escandinávia, no qual pequenos reinos disputavam o comando do território e de rotas marítimas.
No resto da Europa, havia uma fase de crescimentos econômico e comercial, com o surgimento de entrepostos nas atuais Holanda, Alemanha, Inglaterra e França; e por fim, Estados relativamente pequenos e fracos aos sul.
Forças militares nas terras vikings, tendo menos chance de guerrear em casa e com incentivos para a pilhagem ao sul partiram em busca do butim. Abocanharam áreas da Inglaterra, da Escócia, da Irlanda e da França, além de fundar reinos que dariam origem à Rússia e à Ucrania.
Este quadro é combinado, no livro, com detalhes do quotidiano: inscrições feitas com runas com comentários sexuais maldosos; ferreiros que usavam o mesmo molde para fabricar cruzes e amuletos do martelo do deus Thor; espadas de madeira para crianças (e cadeirões com barra de proteção para bebês, como os de hoje). É mais difícil chegar perto de uma máquina do tempo do que ver isto.