Um velho pescador fizera fortuna a retirar do
mar todo o peixe e todo o marisco que ele tinha
para lhe dar. Com o dinheiro ganho, construiu
casas e comprou terras. Quanto mais ganhava,
mais queria ganhar, quanto mais tinha, mais
queria ter.
Num ano em que o peixe começou a escassear, o velho pescador ficou
preocupado e tomou uma decisão: levou comida suficiente para vários dias e subiu a
uma rocha junto do mar para pedir ao Grande Deus das Águas que voltasse a dar-lhe a
abundância perdida. Só dali sairia quando a divindade das águas atendesse o seu
pedido.
O velho pescador era um homem experiente e obstinado e sabia que o Grande
Deus das Águas acabaria por atender os seus pedidos. Ele sempre fora devoto e
dedicado, e quando se fazia ao mar, prometia à divindade oferendas várias, e cumpria
o que prometia.
Dá-me uma faina farta – disse, erguendo as mãos para o céu, e eu acenderei
velas e farei muitos sacrifícios em teu nome.
Enquanto o velho pescador se desfazia em promessas, o mar ia subindo e cercando
o rochedo onde ele se encontrava.
Primeiro passou por ele um pequeno barco de pesca e aquele que o conduzia
gritou-lhe no meio do fragor das ondas:
Tem cuidado, que a maré está a subir. Se não saíres agora, terás dificuldade em
fazê-lo.
O velho pescador não lhe deu ouvidos e continuou, de olhos postos no céu de
chumbo, a fazer as suas promessas e as suas rezas.
Depois voou-lhe em círculos, rente à cabeça, uma gaivota, que lhe murmurou:
O rochedo em que estás ficou cercado pelas águas. É melhor que partas
enquanto é tempo.
Mas também à gaivota o velho pescador não quis dar ouvidos, continuando a falar
para o alto, para o Grande Deus das Águas, pedindo-lhe a abundância de peixe e a
riqueza que ela traz consigo.
Por fim, saltou das águas um grande peixe-voador, com escamas prateadas, e
disse-lhe:
As águas do mar cercaram-te. Se não saíres agora, estás perdido. Ainda posso
ajudar-te, se tu quiseres. Podes montar-te no meu dorso, e deixar-te-ei em terra, são e
salvo.
Mas também desta vez o velho pescador não deu ouvidos a quem, esforçando-se,
tentava avisá-lo e pô-lo a salvo.
Quando caiu a noite, o velho pescador, já cansado de tanta reza, tentou partir.
Tinha os braços e as pernas entorpecidos pela humidade e os lábios ressequidos pelo
sal. Olhou à volta e viu que estava condenado. O nível das águas subira muito, e ele
não tinha forma de voltar à terra. Aí, levou as mãos à cabeça e dirigiu-se de novo ao
Grande Deus das Águas, desta vez em tom de protesto:
Senhor, não só não atendeste os meus pedidos como me deixaste aqui cercado
sem nada fazeres para eu ser salvo.
Isso é falso – disse uma voz grave e sincopada lá no alto, no meio das nuvens de
tempestade – , mandei um pescador, uma gaivota e um peixe-voador avisarem-te, mas
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a nenhum quiseste dar ouvidos. E assim tem sido toda a tua vida. Só deste ouvidos ao
tilintar das moedas que a abundância de peixe te punha nos cofres. Mas quem dá o
peixe, também o tira.
O velho pescador cobriu o rosto com as mãos e ficou à espera, desolado, que o mar
o levasse, e estava tão cansado que adormeceu. Quando acordou, descobriu, com
surpresa e alívio, que afinal estava vivo. Levantou os braços para o céu, agradecendo
ao Grande Deus das Águas e, desse dia em diante, passou a contentar-se com o peixe
que o mar tinha para lhe dar. Diz-se mesmo que repartiu a sua frota de pesca pelos
pescadores mais pobres e que nunca mais voltou àquele rochedo, nem mesmo para
agradecer ao Grande Deus das Águas os anos que ainda lhe deu de vida. Sempre que
um peixe-voador lhe vinha parar às redes, apressava-se a libertá-lo, murmurando:
Não sei se foste tu que me avisaste do perigo que eu corria, mas se não foste
tu, és pelo menos muito parecido.